sábado, 6 de fevereiro de 2010

ADAFER O MAGO






O rio Tifnut, que desce das montanhas de Likun, no interior marroquino, para despejar suas águas barrentas junto à cidade de Agadir Isir, no Mediterrâneo, apresenta em seu longo e acidentado percurso um trecho onde a correnteza esbraveja em espadanadas e cuja travessia é quase impraticável ao mais temerário aventureiro.
Ali – dizem os árabes - a Morte, com sua máscara de espuma, vem bailar como louca à tona d'água. Esse sorvedouro começa pouco abaixo do oásis de Tarudant e vai até às proximidades de uma pequena aldeia - denominada El-Kibir, onde foi sepultado há séculos o milagroso Simi Ahmed, santo famoso do Islã.
É precisamente entre as velhas aldeias de Tarudant e El-Kibir que o viajante encontra, nas margens do rio impetuoso, uma das curiosidades mais atraentes de Marrocos. É uma pedra alta, negra, lisa, que semelha um dedo gigantesco a apontar eternamente para o céu de Allah. Esse belo monumento da natureza os indígenas e muçulmanos denominaram Uada - vocábulo que na língua árabe significa "Promessa feita a Deus".
Conta-se, a propósito do rochedo de Uada, que quando o tão ambicionado território de R'arb se achava sob a dominação das legiões romanas, apareceu na Argélia um marroquino, que se tornou célebre em razão dos seus grandes conhecimentos de magia, os quais lhe valeram ascendência notável sobre todos os djins e efrites (gênios sobrenaturais) que povoavam a região.
Chamava-se Tala-Salem Adafer esse mago.
Refere a lenda, uma das mais curiosas do Oriente, que um dia o poderoso Adafer resolveu fazer uma viagem aos tenebrosos desertos e aos ricos oásis do país dos Tuaregues. Antes porém de partir colocou em sete jarros de bronze todas as pedrarias, ouro e jóias que possuía, e escondeu o precioso tesouro sob uma grande pedra que se erguia junto ao rio Tifnut. A pedra era encantada e, semelhante àquela que aparece nas fantásticas aventuras de Ali-Babá, só se abria - deixando a descoberto os tesouros do mago - se alguém pronunciasse diante dela certa palavra a que a magia emprestava especial poder.
O sábio ocultista não revelou a quem quer que fosse a palavra encantada que permitia a posse de seus invejáveis bens. Partiu para a longa jornada e - segundo diz a lenda - nunca mais voltou. Fora morto no Saara pelo punhal certeiro dos Tuaregues ou pereceu sob as garras de alguma pantera nas planícies africanas. E o tesouro fabuloso ficou para todos os tempos - no desfilar dos séculos - oculto pela pedra negra, contra a qual o Tifnut espumejava em sua atroadora descida pelas montanhas.
Um dia dois beduínos em viagem para Tiznit, pararam junto à célebre Uada. Sentaram-se despreocupados à sombra do famoso rochedo e puseram-se a conversar enquanto aguardavam a hora da terceira prece muçulmana.
- Qual é o nome do teu camelo? - perguntou um dos beduínos ao companheiro.
- Pelos sete minaretes de Meca! - respondeu o outro. - Ainda não me lembrou um nome digno do meu belo jamal, que, como sabes, descende da célebre camela "Niami" do califa Al Mammum!
- Se queres apenas um nome - garantiu o primeiro, - é fácil tarefa obter um que te agrade. Por que não dás ao teu camelo o apelido de "Al-anis"?
- Não serve, amigo! É muito vulgar.
- Al-Takkis!
- Não serve, também. É pouco sonoro.
- Al-jabal! - Abyad!
- Já tive um cavalo com esse nome.
E, assim, durante várias horas se entretiveram os dois beduínos: o primeiro a citar uma série infindável de nomes que o outro não aceitava sob diversos pretextos.
De repente, porém, notaram os dois companheiros que da outra margem do rio um grupo numeroso de camponeses e viajantes acenava para eles, gritando ao mesmo tempo coisas que o ruído constante das águas não lhes permitia ouvir.
- Que quererão aqueles homens? – observou intrigado um dos beduínos. - Há que tempo estão a gritar e a fazer-nos de lá sinais como se pusessem grande empenho em que os compreendêssemos.
- É curioso! - tornou o outro. - A correnteza do rio impede-os, com certeza, de chegarem até aqui. Parecem aflitos. "Por Allah", não sei o que eles querem!
Mal havia o beduíno pronunciado estas últimas palavras, um estrondo medonho abalou o espaço como se a pedra negra e formidável, abalada por um diabólico esforço, tivesse caído, esmagando tudo!
Compreenderam logo os dois aventureiros do deserto o que ocorrera. Durante a longa conversa, um deles, sem querer, havia pronunciado a palavra encantada que permitia abrir uma única vez a gruta maravilhosa em que estava o tesouro do mago; como porém estivessem sentados de costas para o rochedo, não haviam dado pela extraordinária revelação. Os pastores da outra margem viram, entretanto, desvendado o segredo da pedra e tudo fizeram para chamar a atenção dos despreocupados beduínos, pedindo-lhes em altas vozes que não pronunciassem o nome de Allah, o Altíssimo, pois iriam assim desmanchar o encantamento da palavra mágica e o tesouro ficaria para sempre perdido.
Quantos homens há que, à semelhança dos dois beduínos dessa lenda, têm por longo tempo ao alcance das mãos um invejável tesouro e nem sequer pressentem o brilho ofuscante de suas raras pedrarias!

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